Em 2023, a pauta de energia ganhou força nos debates do Congresso Nacional e Governo Federal. Com a definitiva retomada da economia, após a pandemia de Covid-19, as questões econômicas compartilharam espaço com as preocupações com a segurança e transição da matriz energética brasileira.
Logo após a aprovação da Reforma Tributária na Câmara dos Deputados, o Presidente Arthur Lira indicou que a prioridade do segundo semestre legislativo será a energia renovável. Por sua vez, o Presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, defendeu recentemente “a capacidade brasileira de liderar o mundo na chamada economia verde”[i], de modo que seja estimulada a transição energética.
Apenas para citar alguns dos Projetos de Lei (PLs) em destaque que estão, na ocasião em que escrevo este texto, em discussão na Câmara dos Deputados e Senado Federal está o Marco Legal das Eólicas Offshores (PL 11247/2018), a regulamentação do Mercado de Carbono (PL 412/2022), o projeto para ampliação das fontes renováveis na matriz energética nacional (PL 691/2022), a Lei do Hidrogênio Verde (PL 725/2022), a regulamentação da exploração da atividade de armazenamento permanente de dióxido de carbono em reservatórios geológicos, e seu posterior aproveitamento (PL 1425/2022) e toda semana são protocolados novos PLs que impactam o setor.
Nesse cenário, ganha destaque a atuação da Frente Parlamentar de Recursos Naturais e Energia (Frente de Energia), presidida pelo Senador Veneziano Vital do Rêgo, que acompanhando os movimentos políticos, vem realizando eventos para qualificar o debate dos temas do setor de energia e colocar a pauta do setor em destaque.
No tocante ao Governo Federal, em ações mais recentes, houve a assinatura do Projeto de Lei do Combustível do Futuro encaminhado ao Congresso Nacional (PL 4516/2023); e, em agenda na ONU, o Ministro de Minas e Energia (MME), Alexandre Silveira, lançou o Plano Nacional de Transição Energética Justa e Inclusiva[ii].
É importante destacar também o recente discurso do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, realizado no dia 19/09, na Assembleia Geral da ONU[iii], que sinalizou a intenção de consolidar o protagonismo brasileiro no setor energético de fontes renováveis mundial ao afirmar que “87% da nossa energia elétrica provem de fontes limpas e renováveis”[iv].
As implicações das questões legislativas e executivas que envolvem o setor energético brasileiro não estão ocorrendo em um vácuo. No contexto global marcado pela crescente preocupação com a segurança energética, as mudanças climáticas e a transição para fontes de energia sustentáveis, as políticas adotadas em âmbito local adquirem um peso significativo nas discussões de alcance internacional.
Em junho deste ano, foi divulgado o relatório Statistical Review of World Energy do Energy Institute[v] com diversos dados importantes para o setor de energia global, destacando:
- O domínio dos combustíveis fósseis no consumo global se manteve em 82%;
- O aumento de 1% de consumo das energias renováveis (exceto as hidroelétricas;
- A geração global de eletricidade aumentou 2,3% em 2022, o que foi menor do que a taxa de crescimento do ano anterior, que foi de 6,2%;
- A capacidade de energia solar e eólica continuou a crescer rapidamente em 2022, registrando um aumento recorde de 266 GW. A energia solar representou 72% (192 GW) das adições de capacidade;
- As energias renováveis (excluindo a hidroelétrica) atenderam a 84% do crescimento líquido da demanda de eletricidade em 2022.
Os dados mostram o avanço da matriz global na busca de novas fontes de geração de energia renováveis, que se justifica em razão da Guerra na Ucrânia que gerou o problema da distribuição de gás para Europa. Ainda assim, não houve rompimento com a geração e consumo de energia não renováveis, que se mostram fundamentais na segurança energética.
Nesse sentido, olhando para o Brasil, o balanço energético nacional de 2023 (ano base 2022)[vi], divulgado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), em relação à oferta interna de Energia, destacou que:
“Em 2022, a oferta interna de energia (total de energia disponibilizada no país) atingiu 303,1 Mtep, registrando um recuo de 0,03%, em relação ao ano anterior. A participação de renováveis na matriz foi marcada pelo aumento da oferta de energia hidráulica, associada à melhoria do regime hídrico e à redução do uso das usinas termelétricas a partir de combustíveis fósseis como gás natural, carvão e derivados de petróleo.
Adicionalmente, associada à expansão da fonte hidráulica, o incremento das fontes eólicas e solar na geração de energia elétrica (perda zero), assim como de outras renováveis como lixívia, biogás e outras biomassas, contribuíram para que a matriz energética brasileira se mantivesse em um patamar razoável de 47,4%, muito superior ao observado no resto do mundo” (g.n)
Globalmente, o setor de energia está passando por grandes mudanças. A demanda por energia cresce em razão do desenvolvimento econômico e populacional, abrindo oportunidades para novas fontes, de modo a alterar o tabuleiro de forças geopolíticas. De toda forma, os esforços globais aparentemente apontam para a maximização da geração de energia.
Essas questões geram otimismo na nossa progressão na Escala de Kardashev. Essa escala foi criada em 1964 pelo cientista Nikolai S. Kardashev e aborda a hipótese de níveis de progresso de uma civilização, com base na quantidade de energia que ela consegue controlar. Há três estágios nessa escala:
- Tipo 1: civilização que domina toda a energia de seu planeta;
- Tipo 2: civilização que extrai toda a energia de sua estrela;
- Tipo 3: civilização que aproveita toda a energia de sua galáxia.
Não há dúvidas de que o nosso estágio atual sequer alcançou o tipo 1 dentro da Escala de Kardashev. Um cálculo apresentado em 1973 pelo cientista Carl Sagan sugere que nossa civilização se encontra no estágio 0,7 para alcançar o tipo 1.
O avanço nas questões energéticas brasileiras envolvendo uma matriz mais diversificada, que proporcione eficiência energética e segurança é um ponta pé para avançarmos ao menos um centésimo na Escala de Kardashev.
No entanto, o progresso na Escala de Kardashev não está depositado apenas no avanço científico e tecnológico, mas também na mudança da estrutura social, que alcance proporções globais.
Do lado brasileiro, é papel constitucional do Congresso Nacional deixar o campo normativo fértil e seguro para que as empresas do setor de energia possam desenvolver suas atividades em harmonia com as políticas públicas executadas e reguladas pelo Governo Federal.
A primavera chegou no Sul global. Com a pauta energética florescendo no Congresso Nacional e nos interesses do Governo Federal, o Brasil cultiva um cenário que prioriza as fontes renováveis e a segurança energética. Dessa forma, o Brasil é detentor de todas as condições para liderar o exemplo de uma transição eficiente e segura na matriz energética e fazer disso uma eterna primavera energética.
Por Pietro Loretti Vaccaro, advogado, graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP e pós-graduado em Direito Penal Econômico pela FGV/SP. Atuou em grandes escritórios paulistas e sua última experiência foi na assessoria da Secretaria-Executiva do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Possui experiência em direito penal, administrativo e políticas públicas.
Notas de Referência:
[i] “Rodrigo Pacheco defende liderança do Brasil em desenvolvimento sustentável” <https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2023/09/01/rodrigo-pacheco-defende-lideranca-do-brasil-em-desenvolvimento-sustentavel>, acessado no dia 19 de setembro de 2023.
[ii]“Alexandre Silveira lança Plano Nacional de Transição Energética justa e inclusiva na ONU˜. Disponível em <https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/noticias/alexandre-silveira-lanca-plano-nacinal-de-transicao-energetica-justa-e-inclusiva-na-onu>, acessado no dia 20 de setembro de 2023.
[iii] Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=H-WhzKme5dc>, acessado no dia 21 de setembro de 2023.
[iv] Dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Disponível em <https://www.ons.org.br/Paginas/resultados-da-operacao/historico-da-operacao/geracao_energia.aspx>, acessado no dia 20 de setembro de 2023.
[v] Disponível em <https://www.energyinst.org/statistical-review/resources-and-data-downloads>, acessado no dia 19 de setembro de 2023.
[vi] Disponível em <https://www.epe.gov.br/sites-pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/PublicacoesArquivos/publicacao-748/topico-681/BEN_Síntese_2023_PT.pdf>, acessado no dia 21 de setembro de 2023.