O Brasil corre o risco de chegar novamente a uma COP, a conferência para clima da ONU (Organização das Nações Unidas), sem uma legislação sobre crédito de carbono. Desta vez, em razão de uma disputa entre o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).
A proposta atualmente está no Senado, e ainda há arestas para serem resolvidas do texto, sobretudo divergências acerca da definição de REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação).
Paralelamente, há uma disputa de tramitação entre Câmara e Senado sobre quem terá a palavra final no projeto.
Há a expectativa de que o texto seja votado nesta semana, mas divergências precisam ser resolvidas, ou o Brasil pode ir novamente à conferência climática sem esse arcabouço legal.
Caso a proposta não seja votada nesta semana é pouco provável que ocorra na próxima, a de São João, quando os parlamentares costumam ir para seus estados, deixando o Congresso esvaziado. Depois, é o fim do primeiro semestre do Legislativo.
A maior parte do segundo semestre é de eleições municipais e não acontecem votações importantes no período.
O segundo turno dos pleitos está marcado para 24 de outubro. As atividades no Congresso poderiam voltar a ter força na sequência, com pouco tempo para a COP29, em Baku, no Azerbaijão, que começa no dia 11 de novembro.
Procurados, Lira e Pacheco preferiram não se pronunciar sobre este capítulo da disputa entre os dois, que começou no ano passado.
Em outubro de 2023, o Senado aprovou um projeto de lei de número 412, de 2022, sobre créditos de carbono, com relatoria de Leila Barros (PDT-DF).
Arthur Lira, no entanto, arquivou este texto, sob argumento de que ele deveria ser considerado uma proposta do governo federal e que as iniciativas do Executivo devem, por regimento, começar pela Câmara.
Barrado, seu conteúdo foi inserido no projeto 2.148, de 2015, que já tramitava entre os deputados há mais tempo e que tinha relatoria de Aliel Machado (PV-PR).
O governo Lula defendia que o Brasil chegasse na COP28, em Dubai, em novembro de 2023, com a legislação aprovada. A matéria era vista como importante para posicionar o país nas negociações.
Lira, que também iria ao evento da ONU, abraçou a bandeira. Somou o projeto a outros, no que chamou de “pacote verde”: uma série de propostas sobre sustentabilidade e transição energética que ele pretendia ver votadas até a conferência.
Mas o pacote de Lira desidratou e o Brasil foi à COP28 sem aprovar a proposta de crédito de carbono, que empacou sobretudo em divergências acerca do mercado voluntário.
A proposta foi votada apenas em dezembro, no final do ano. Agora, travou pelas divergências de tramitação —o Senado nem sequer designou a relatoria.
Pelo regimento, os projetos devem ser votados primeiro na Casa em que foram apresentados e depois passar pela outra, que pode manter o texto igual e enviá-lo para sanção da Presidência, ou modificá-lo.
Caso sejam feitas alterações, cabe ao seu plenário de origem validar ou não essas mudanças e, então, enviar para sanção.
No entendimento de Lira, deve-se considerar que o projeto de crédito de carbono começou na Câmara, sob número 2148. Como ele sofrerá mudanças no Senado, portanto, teria que passar mais uma vez pelos deputados.
Pacheco discorda, em razão do texto aprovado em outubro de 2023, e avalia que os senadores devem ter a palavra final sobre ele.
Ambos dizem a seus respectivos seus pares que não abrem mão dessa palavra final —vale lembrar que os dois travam uma série de brigas sobre tramitação e ritmo de andamento do Congresso, por exemplo no caso de medidas provisórias.
Um aliado de Lira afirma que o presidente da Câmara não descarta a possibilidade que a disputa vá para a Justiça. Para outros dois parlamentares envolvidos no projeto, no entanto, o Legislativo recorrer ao Judiciário, ainda mais no atual contexto de embate entre os poderes, seria politicamente delicado.
Leila Barros e Aliel Machado também não quiseram comentar o assunto.
O senador Efraim Filho (União-PB), que atua nas negociações, afirma que a discussão sobre o tema no Congresso já é um avanço para o país que tem a maior floresta tropical do planeta.
“O Brasil será sede da COP30, em 2025 [em Belém]. O Parlamento está priorizando as discussões sobre o assunto, mas o consenso só vem com muito diálogo e com análise detalhada de estudos. É preciso entender que isso leva tempo. Afinal, estamos tratando de temas de grandiosidade indiscutível”, afirmou.
Tiago Santana, sócio e coordenador de relações governamentais do Pernam Advogados, que acompanha a matéria, diz que levar o tema aprovado à conferência da ONU seria um sinal claro para atrair investimentos sustentáveis.
“No ano passado, as duas Casas legislativas aprovaram a matéria, mas já estamos na metade do ano e não ocorreram novas movimentações do projeto, o embate sobre quem dará a palavra final se mantém. A questão ainda está sem acordo, mas politicamente acho difícil o Poder Judiciário ser acionado neste momento, a resolução da situação deve ocorrer dentro do próprio Legislativo”, avalia.
No meio disso, há uma divergência no entendimento de senadores e de deputados acerca do conceito de REDD para o mercado voluntário.
O governo federal vê o texto aprovado na Câmara como confuso e defende uma definição simplificada e concisa. O texto dos deputados traz uma série de categorias desta redução: estatal, privada, jurisdicional, por exemplo. O argumento de quem o defende é de que, ao contrário, ele é mais robusto e seguro.
A ideia da Câmara traz uma lógica semelhante à do mercado imobiliário, como se os créditos funcionassem como o aluguel de um imóvel.
O governo propõe um modelo parecido com o do Real: há um órgão central que regula o mercado, dá lastro e, via de regra, é o responsável por aferir as reduções das emissões e distribuir seus resultados entre os cidadãos e empresas que são donos dos créditos, como as cédulas.
Fonte: Folha de São Paulo