Artigo | Mudanças Climáticas e Transição Energética: o Plano Clima e o cenário energético brasileiro

No final de 2023, o governo brasileiro deu início à elaboração do Plano Clima, que irá guiar a política climática brasileira até 2035, com a criação de um Grupo Técnico Temporário[i], aprovado pelo Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima, mediante a Resolução CIM nº 3 de 14 de setembro de 2023[ii].

O Plano Clima irá consolidar “as estratégias, planos e metas do Poder Executivo federal para a consecução dos objetivos da PNMC [Política Nacional sobre Mudança do Clima] e para o alcance das metas da Contribuição Nacionalmente Determinada – NDC, decorrentes do Acordo de Paris”[iii].

A Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC, criada mediante a Lei nº 12.187/2009, visa à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a proteção do sistema climático, assim como à redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) decorrentes das ações dos seres humanos[iv].

A Contribuição Nacionalmente Determinada – NDC, por sua vez, foi criada quando da assinatura do Acordo de Paris, tratado global que cuida das mudanças climáticas e que estabelece a meta de limitar o aumento da temperatura a 1,5 ºC acima dos níveis pré-industriais, visando a diminuição dos riscos e impactos das mudanças climáticas e aumentando a capacidade de adaptação aos impactos da mudança climática. A NDC consiste em um esforço nacional para alcançar esse objetivo, com medidas de mitigação a serem implementadas nacionalmente, de modo a reduzir as emissões de GEE[v].

Atualmente, a NDC proposta pelo Brasil é para que, em 2025, sua emissão líquida de GEE máxima seja de até 1,32 bi tCO2e (bilhões de toneladas de gás carbônico equivalente) e de que, em 2030, se limite a 1,20 bi tCO2e. Até 2050 o governo brasileiro pretende alcançar a neutralidade climática[vi].

Conforme mencionado, a elaboração do Plano Clima está sendo conduzida pelo Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima, que é composto por representantes de dezenas de Ministérios, dentre os quais constam o Ministério de Minas e Energia; Ministério da Agricultura; Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima; Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços; Ministério da Fazenda; e Ministério das Relações Exteriores[vii]. Portanto, o Plano Clima está sendo tratado com um caráter transversal no governo federal.

O Plano Clima terá dois pilares, o de adaptação e mitigação[viii]. A adaptação consiste nas ações que serão tomadas visando a redução da vulnerabilidade dos sistemas naturais e humanos decorrente dos efeitos que a mudança climática trará, seja na atualidade ou no futuro. A mitigação cuida das iniciativas de mudança que serão feitas para redução do uso de recursos e das emissões de GEE e para aumento dos sumidouros, o que inclui mudanças e substituições tecnológicas[ix].

Dentro dessas duas seções temáticas, de mitigação de emissão de GEE e de adaptação à mudança do clima, serão traçados planos setoriais. Na seara da mitigação, consta plano setorial específico para Energia, que inclui a energia elétrica e combustíveis. Há previsão de plano setorial específico para Energia também no campo da adaptação. Ainda contarão com planos setoriais específicos, nas duas seções temáticas, as áreas de Agricultura e Pecuária; Cidades e Mobilidade; Indústria; assim como Transportes[x].

No que diz respeito à perspectiva da mitigação das mudanças climáticas, a necessidade de repensar o setor de energia é essencial, tendo em vista que se destaca como o terceiro setor que mais emite GEE no cenário brasileiro, atrás somente da mudança do uso da terra e florestas, e da agropecuária[xi].

A contabilização das emissões de GEE no setor de energia engloba o uso de combustíveis fósseis nos transportes e na indústria[xii], que foram responsáveis, em 2023, por cerca de 64,8% (sessenta e quatro vírgula oito por cento) do consumo de energia do país, sendo 33% (trinta e três por cento) referentes a transportes de cargas e passageiros e 31,8% (trinta e um vírgula oito por cento) utilizados pelo setor industrial[xiii].

O Relatório Síntese do Balanço Energético Nacional – BEN 2024, ano base 2023, conclui que 49,1% (quarenta e nove vírgula um por cento) da energia interna ofertada são provenientes de fontes renováveis, como biomassa, energia hidráulica, eólica, solar e carvão vegetal. Os outros 50,9% (cinquenta vírgula nove por cento) de energia interna ofertada são provenientes de fontes não renováveis, nas quais se inserem o petróleo e derivados, gás natural e carvão mineral[xiv].

Apesar de o patamar renovável da matriz energética brasileira já se sobressair ao que se observa no resto do mundo e nos países da OCDE[xv], ainda é possível realizar avanços nesse contexto. Nesse cenário, a transição energética, que diz respeito à mudança da fonte de energia utilizada com a substituição da matriz usada para uma que diminua as emissões de GEE[xvi], tem papel central para o Plano Clima – Mitigação.

Na seara da adaptação, válido pontuar os índices de Risco de Impacto para a disponibilidade à energia elétrica e para o acesso à energia elétrica, previstos pela plataforma AdaptaBrasil, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

Quanto à segurança energética, no que diz respeito à disponibilidade, para 2050, em um cenário pessimista, há previsão de um risco muito alto para o Centro-Oeste, Norte e Sudeste, e alto para o Sul e Nordeste[xvii]. No que diz respeito ao índice de risco para acesso à energia elétrica, em um mesmo cenário pessimista para 2050, há um índice de risco alto para todas as regiões, com exceção do Centro-Oeste que conta com um risco médio[xviii].

Em se tratando de capacidade adaptativa atual, que consiste em preparar e realizar ajustes em relação às alterações climáticas ou danos climáticos potenciais relacionados ao setor elétrico, a maior parte das regiões brasileiras tem uma capacidade média, apenas o centro-oeste tem uma capacidade alta[xix].

Assim, há muito o que ser analisado e estudado para traçar planos setoriais do Plano Clima, tanto no aspecto da mitigação quanto no de adaptação às mudanças climáticas.

Nesse cenário, o governo federal tem dado abertura para que a sociedade participe do processo de construção do Plano Clima, eis que vários Ministérios que compõe o CIM têm realizado eventos para tanto[xx]. O Ministério de Minas e Energia já realizou rodada de conversas e discussões sobre a temática, contando com a participação de diferentes atores do setor energético[xxi][xxii].

Apesar do trabalho que ainda há de ser feito, o que se verifica é que o tema chama atenção do governo federal, sendo tratado de uma forma transversal, garantindo à população participação social, que pode, inclusive, votar e apresentar propostas para o plano[xxiii].

Assim, o Brasil parece avançar com a temática das mudanças climáticas, com tratamento específico relacionado às questões energéticas, com possibilidade de representação do setor no processo de estabelecimento das metas específicas para o tema de energia.

 

Ana Carolina Coelho Santosgraduada em Direito pelo CEUB. Pós-graduada em Direitos Sociais, Ambientais e do Consumidor pelo CEUB/ICPD e em Nova Tendências do Direito Pública pelo CEUB/ICPD. Pós-graduanda em Segurança Digital, Governança e Gestão de Dados pela PUC/RS. Aluna especial do mestrado em Direito no CEUB/ICPD. 


 

[i] BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima. Resolução nº 3, de 14 de setembro de 2023. Dispõe sobre a atualização do Plano Nacional sobre Mudança do Clima – Plano Clima e a instituição dos Grupos Técnicos Temporários de Mitigação (GTT – Mitigação) e de Adaptação (GTT – Adaptação). Disponível em: <https://www.gov.br/mma/pt-br/composicao/smc/dcol/cim/resolucoes/resoluon3de14desetembrode2023-resoluon3de14desetembrode2023-dou-imprensanacional.pdf>. Acesso em: 18 jun. 2024.

[ii] BRASIL. Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima. Ata de Reunião. 1ª Reunião Ordinária. Disponível em: <https://www.gov.br/mma/pt-br/composicao/smc/dcol/cim/atas>. Acesso em: 18. jun. 2024.

[iii] BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima. Resolução nº 3, de 14 de setembro de 2023. Dispõe sobre a atualização do Plano Nacional sobre Mudança do Clima – Plano Clima e a instituição dos Grupos Técnicos Temporários de Mitigação (GTT – Mitigação) e de Adaptação (GTT – Adaptação). Disponível em: <https://www.gov.br/mma/pt-br/composicao/smc/dcol/cim/resolucoes/resoluon3de14desetembrode2023-resoluon3de14desetembrode2023-dou-imprensanacional.pdf>. Acesso em: 18. jun. 2024.

[iv] BRASIL. Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009. Institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC e dá outras providências. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12187.htm>. Acesso em: 18. jun. 2024.

[v] NAÇÕES UNIDAS BRASIL. Acordo de Paris. Disponível em: <https://brasil.un.org/pt-br/88191-acordo-de-paris-sobre-o-clima>. Acesso em: 18 jun. 2024.

[vi] BRASIL. Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) para o acordo de Paris no âmbito da UNFCCC. Disponível em: <http://educaclima.mma.gov.br/wp-content/uploads/2023/11/NDC-1.4-Brasil-27-out-2023-portugues.pdf>. Acesso em: 18 jun. 2024.

[vii] BRASIL. Decreto nº 11.550, de 5 de junho de 2023. Dispõe sobre o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/decreto/D11550.htm#:~:text=DECRETO%20N%C2%BA%2011.550%2C%20DE%205,Interministerial%20sobre%20Mudan%C3%A7a%20do%20Clima>. Acesso em: 18 jun. 2024.

[viii] BRASIL. Brasil Participativo. Disponível em: <https://brasilparticipativo.presidencia.gov.br/processes/planoclima/f/88/>. Acesso em: 18 jun. 2024.

[ix] BRASIL. Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009. Institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC e dá outras providências. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12187.htm>. Acesso em: 18 jun. 2024.

[x] BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima. Resolução nº 3, de 14 de setembro de 2023. Dispõe sobre a atualização do Plano Nacional sobre Mudança do Clima – Plano Clima e a instituição dos Grupos Técnicos Temporários de Mitigação (GTT – Mitigação) e de Adaptação (GTT – Adaptação). Disponível em: <https://www.gov.br/mma/pt-br/composicao/smc/dcol/cim/resolucoes/resoluon3de14desetembrode2023-resoluon3de14desetembrode2023-dou-imprensanacional.pdf>. Acesso em: 18 jun. 2024.

[xi] BRASIL. Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Emissões de GEE por Setor. 2023. Disponível em: <https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/sirene/emissoes/emissoes-de-gee-por-setor-1>. Acesso em: 18 jun. 2024.

[xii] BRASIL. Brasil Participativo. Disponível em: <https://brasilparticipativo.presidencia.gov.br/processes/planoclima/f/88/>. Acesso em: 18 jun. 2024.

[xiii] BRASIL. Ministério de Minas e Energia; Empresa de Pesquisa Energética. Relatório Síntese do Balanço Energético Nacional – BEN 2024. 2024. Disponível em: <https://www.epe.gov.br/sites-pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/PublicacoesArquivos/publicacao-819/topico-715/BEN_S%C3%ADntese_2024_PT.pdf>. Acesso em: 18 jun. 2024.

[xiv] BRASIL. Ministério de Minas e Energia; Empresa de Pesquisa Energética. Relatório Síntese do Balanço Energético Nacional – BEN 2024. Disponível em: <https://www.epe.gov.br/sites-pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/PublicacoesArquivos/publicacao-819/topico-715/BEN_S%C3%ADntese_2024_PT.pdf>. Acesso em: 18 jun. 2024.

[xv] BRASIL. Ministério de Minas e Energia; Empresa de Pesquisa Energética. Relatório Síntese do Balanço Energético Nacional – BEN 2024. Disponível em: <https://www.epe.gov.br/sites-pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/PublicacoesArquivos/publicacao-819/topico-715/BEN_S%C3%ADntese_2024_PT.pdf>. Acesso em: 18 jun. 2024.

[xvi] BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Transição energética: a mudança de energia que o planeta precisa. 2023. Disponível em: <https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/noticias/transicao-energetica-a-mudanca-de-energia-que-o-planeta-precisa>. Acesso em: 18 jun. 2024.

[xvii] BRASIL. Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Adapta Brasil. Disponível em: <https://sistema.adaptabrasil.mcti.gov.br/24003/3/2050/Pessimista/BR/regiao/>. Acesso em: 18 jun. 2024.

[xviii] BRASIL. Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Adapta Brasil.  Disponível em: <https://sistema.adaptabrasil.mcti.gov.br/25000/3/2050/Pessimista/BR/regiao/>. Acesso em: 18 jun. 2024.

[xix] BRASIL. Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Adapta Brasil.  Disponível em: <https://sistema.adaptabrasil.mcti.gov.br/25005/2/2019/null/BR/regiao/>. Acesso em: 18 jun. 2024.

[xx] BRASIL. Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Plano Clima. Disponível em: <https://www.gov.br/mma/pt-br/composicao/smc/plano-clima>. Acesso em: 18 jun. 2024.

[xxi] BRASIL. Ministério de Minas e Energia. MME avança temática energética dentro do Plano Clima com engajamento do setor. 2024. Disponível em:  <https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/noticias/mme-avanca-tematica-energetica-dentro-do-plano-clima-com-engajamento-do-setor>. Acesso em: 18 jun. 2024.

[xxii]BRASIL. Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. MMA e MME debatem construção do novo Plano Clima com representantes setoriais. 2024. Disponível em: <https://www.gov.br/mma/pt-br/assuntos/noticias/mma-e-mme-reunem-se-com-representantes-do-setor-energetico-para-construcao-do-novo-plano-clima>. Acesso em: 18 jun. 2024.

[xxiii] BRASIL. Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Plano Clima. Disponível em: <https://www.gov.br/mma/pt-br/composicao/smc/plano-clima>. Acesos em: 18 jun. 2024.

 

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