Artigo | Marco Legal do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono: Principais avanços e oportunidades trazidos pela Lei nº 14.948/2024

Em agosto de 2024, o Brasil deu um importante passo rumo à transição energética com a publicação da Lei 14.948/2024, resultado da aprovação do Projeto de Lei nº 2308/2023, de autoria dos Deputados Gilson Marques (NOVO/SC) e Adriana Ventura (NOVO/SP). O novo marco legal estabelece diretrizes para o desenvolvimento e fomento do hidrogênio de baixa emissão de carbono, uma tecnologia vista como chave para descarbonizar setores intensivos em energia, como a indústria e o transporte.

A tramitação do PL 2308/2023 no Congresso Nacional foi marcada por ampla discussão entre os parlamentares. Inicialmente aprovado pela Câmara dos Deputados, o projeto seguiu para o Senado Federal, onde foi submetido à avaliação da Comissão Especial para Debate de Políticas Públicas sobre Hidrogênio Verde (CEHV). Posteriormente, foi aprovado pelo Plenário da Casa, seguindo o parecer favorável do relator, Senador Otto Alencar (PSD/BA).

Como é comum em processos legislativos dessa magnitude, o texto sofreu modificações durante a tramitação no Senado. As emendas propostas resultaram no retorno do projeto à Câmara dos Deputados, onde foi novamente debatido e, no dia 11 de julho de 2024, o Plenário da Câmara deu seu aval à maior parte das mudanças promovidas pela Casa Revisora, com a exceção de duas das emendas propostas, seguindo o parecer do relator,[i] Deputado Arnaldo Jardim (CIDADANIA/SP).

Após essa etapa final, o projeto foi sancionado pelo Presidente da República, com alguns vetos,[ii] e a Lei 14.948/2024[iii] foi publicada no dia 2 de agosto de 2024. Essa nova legislação promete impulsionar o desenvolvimento do hidrogênio de baixa emissão no Brasil, criando um ambiente regulatório mais favorável para a inovação tecnológica e para a atração de investimentos.

Os Principais Avanços Trazidos pelo Marco Legal do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono

A Lei 14.948/2024, conhecida como o Marco Legal do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (ou, ainda, do Hidrogênio Verde), estabelece um conjunto de diretrizes para a promoção do produto no Brasil. Logo no seu início, a lei define princípios norteadores como a neutralidade tecnológica, que busca garantir que incentivos sejam concedidos de forma equitativa, sem preferências específicas por tecnologias, promovendo a competitividade do hidrogênio como uma solução para a descarbonização. A previsibilidade dos regulamentos e acordos futuros também é um ponto central da legislação, trazendo maior segurança para investidores e empresas interessadas nesse mercado emergente.

A lei reconhece a importância do hidrogênio em vários setores industriais e energéticos. Tradicionalmente utilizado nas indústrias de fertilizantes, metalurgia e alimentos, o hidrogênio também vem ganhando relevância como parte das cadeias de transporte de energia renovável. Nesse sentido, a legislação abre caminho para o desenvolvimento de novos usos, como o transporte e o armazenamento de hidrogênio, bem como sua aplicação em setores eletrointensivos, onde seu potencial como vetor energético pode contribuir significativamente para a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE).

Uma das principais inovações da Lei 14.948/2024 é a classificação do hidrogênio baseada no nível de emissões de GEE durante seu processo produtivo. O hidrogênio de baixa emissão de carbono é definido como aquele que emite menos de 7 kg de CO2eq/kgH em seu ciclo de vida[iv]. Além disso, a lei distingue o hidrogênio renovável,[v] que inclui o hidrogênio produzido a partir de fontes renováveis, como biomassa e biocombustíveis, e o hidrogênio verde,[vi] produzido por eletrólise da água usando energias renováveis, como solar e eólica. Essa taxonomia é fundamental para a criação de incentivos e regulamentações específicas para cada tipo de produto.

O limite de emissões havia sido inicialmente proposto pela Câmara dos Deputados em 4 kgCO2eq/kgH, mas o Senado o ampliou para 7 kgCO2eq/kgH, uma decisão que aumentou a flexibilidade do marco legal ao incluir fontes energéticas como o etanol no processo produtivo. Apesar disso, a lei prevê a possibilidade de uma revisão desse limite a partir de 31 de dezembro de 2030, com o intuito de ajustar os parâmetros regulatórios conforme a evolução tecnológica e a necessidade de se reduzir ainda mais as emissões.

No campo da fiscalização, a nova lei atribuiu à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) tal responsabilidade, bem como a de regulação e de autorização do exercício da atividade de exploração e de produção de hidrogênio natural por empresas ou consórcios brasileiros. A ANP ainda poderá atuar de forma colaborativa[vii] com outras agências como a ANEEL, especialmente no que diz respeito à integração dos produtores de hidrogênio ao sistema de transmissão de energia.

Um aspecto inovador é a criação do Sistema Brasileiro de Certificação de Hidrogênio (SBCH2), que visa garantir a integridade ambiental da produção de hidrogênio, adotando a intensidade de emissões de GEE como atributo. Essa certificação é voluntária, será baseada em padrões nacionais a serem definidos em regulamento, e terá mecanismos de interoperabilidade e harmonização com padrões internacionais, o que permitirá que o hidrogênio brasileiro atenda às exigências de mercados estrangeiros como a União Europeia, que possui metas rigorosas de descarbonização.

Outra importante novidade da Lei 14.948/2024 é a instituição do Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (Rehidro). O novo regime suspende a cobrança de tributos como PIS/Cofins e PIS/Cofins-Importação sobre bens e serviços utilizados na produção de hidrogênio, assemelhando-se ao Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (Reidi). Projetos auxiliares, como os destinados ao transporte e armazenamento de hidrogênio ou à geração de energia renovável, também podem ser coabilitados para os benefícios do Rehidro, promovendo o desenvolvimento de toda a cadeia produtiva. O benefício será valido por cinco anos, a partir de 1º de janeiro de 2025, e farão jus a ele as empresas que utilizem percentual mínimo (a ser definido em regulamento) de bens e serviços em seu processo produtivo e que possuam investimento mínimo em pesquisa, desenvolvimento e inovação.

A lei ainda estabelece que o regulamente deverá definir os percentuais mínimos de conteúdo local e de aplicação de recursos em projetos de desenvolvimento sustentável de transição energética no País. Esses requisitos se alinham com os objetivos da legislação de fomentar a cadeia produtiva nacional, valorizar as vocações econômicas do Brasil e gerar empregos, consolidando o país como um importante polo de produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono no cenário global.

Por fim, embora o Presidente da República tenha vetado do texto original do Marco Legal do Hidrogênio Verde o trecho referente ao Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixo Carbono (PHBC), a situação foi rapidamente resolvida com a apresentação do PL 3027/2024 pelo Líder do Governo, Dep. José Guimarães (PT/CE). O projeto tramitou em regime de urgência pelas duas Casas Legislativas, tendo sido aprovado e sancionado de forma célere, tornando-se a Lei 14.990/2024[viii].

A referida lei criou o Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixo Carbono (PHBC), estabelecendo fonte de recursos para a transição energética a partir do uso de hidrogênio de baixa emissão de carbono. Os projetos que poderão se qualificar para os incentivos do PHBC precisam atender a pelo menos um dos seguintes critérios: (a) impulsionar o crescimento regional, (b) colaborar com a redução de impactos climáticos e promover a adaptação a mudanças climáticas, (c) fomentar a inovação e o avanço tecnológico, ou (d) ampliar a diversificação da indústria nacional. O programa também estabelece metas claras para apoiar a descarbonização de indústrias específicas e do transporte pesado, os quais devem favorecer tanto colaborações já estabelecidas quanto novos empreendimentos. Esse será um importante mecanismo para incentivar a produção e aquisição de hidrogênio de baixa emissão de carbono, contribuindo para as metas de transição energética.

Oportunidades para o Mercado com o Novo Marco Legal do Hidrogênio

A Lei 14.948/2024 e suas futuras regulamentações oferecem um leque de oportunidades para diversos setores da economia, especialmente o energético, industrial e logístico. Um dos pontos mais promissores é o incentivo à produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono, que cria possibilidades para empresas de energia renovável, como solar, eólica e biomassa, ao integrar essas fontes ao processo de produção de hidrogênio. Além disso, o desenvolvimento de infraestrutura para o transporte e o armazenamento do hidrogênio abre espaço para novos investimentos e parcerias público-privadas, o que pode impulsionar a modernização e a expansão do setor energético no Brasil.

Para o setor industrial, as oportunidades são ainda mais amplas. Indústrias eletrointensivas, como as de aço, alumínio e químicas, podem se beneficiar diretamente do uso do hidrogênio como fonte energética limpa, reduzindo significativamente suas emissões e cumprindo metas ambientais internacionais. O Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (Rehidro) será um grande atrativo para empresas que buscam viabilizar economicamente projetos com alto potencial de descarbonização. Esse tipo de benefício torna o Brasil competitivo em um cenário global que valoriza tecnologias limpas e a mitigação das mudanças climáticas.

O Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixo Carbono (PHBC), instituído pela Lei 14.990/2024, também desempenhará um papel crucial no fomento à inovação e no desenvolvimento tecnológico. Ao garantir recursos significativos para a concessão de créditos fiscais, o programa permitirá que empresas de diversos setores adotem o hidrogênio em suas cadeias produtivas, além de promover a diversificação da matriz energética. Isso cria um ambiente propício para que o Brasil se posicione como líder na produção e exportação de hidrogênio de baixa emissão de carbono, especialmente em mercados como o europeu, que já demandam soluções energéticas mais limpas.

Conclusão

A criação de um marco legal específico para o hidrogênio de baixa emissão de carbono traz não apenas segurança jurídica e previsibilidade regulatória, mas também um cenário repleto de oportunidades para empresas inovadoras e que buscam se adequar às novas exigência do mercado. As diretrizes estabelecidas pela Lei 14.948/2024 podem transformar o Brasil em um polo global de produção de hidrogênio, ao mesmo tempo em que incentivam a modernização das cadeias produtivas nacionais e a descarbonização da economia. Para as empresas que atuam nos setores de energia e industrial, a nova legislação representa um momento estratégico para a realização de investimentos, inovação e fortalecimento de parcerias em um mercado com potencial de crescimento exponencial nos próximos anos.

Renata Assunção, advogada, graduada pelo UniCEUB, pós-graduada em Direito Constitucional pelo IDP. Possui experiência de atuação em Tribunais Superiores, em especial nas áreas de Direito Eleitoral, Constitucional e Administrativo. Ocupou o cargo de Secretária Especial de Assuntos Federativos substituta e de assessora parlamentar da Secretaria Especial de Assuntos Federativos da Presidência da República. Possui experiência na atuação perante o Congresso, tendo trabalhado como assessora parlamentar na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.


REFERÊNCIAS

[i] https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2454317&filename=Tramitacao-PL%202308/2023

[ii] Mensagem de Veto nº 741, de 2 de agosto de 2024. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/Msg/Vep/VEP-741-24.htm

[iii] Lei 14.948, de 2 de agosto de 2024. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2024/Lei/L14948.htm

[iv] Art. 4º. (…) XII – hidrogênio de baixa emissão de carbono: hidrogênio combustível ou insumo industrial coletado ou obtido a partir de fontes diversas de processo de produção e que possua emissão de GEE, conforme análise do ciclo de vida, com valor inicial menor ou igual a 7 kgCO2eq/kgH2 (sete quilogramas de dióxido de carbono equivalente por quilograma de hidrogênio produzido);

[v]Art. 4º (…)  XIII – hidrogênio renovável: hidrogênio de baixa emissão de carbono, combustível ou insumo industrial coletado como hidrogênio natural ou obtido a partir de fontes renováveis, incluindo o hidrogênio produzido a partir de biomassa, etanol e outros biocombustíveis, bem como hidrogênio eletrolítico, produzido por eletrólise da água, usando energias renováveis, tais como solar, eólica, hidráulica, biomassa, etanol, biogás, biometano, gases de aterro, geotérmica e outras a serem definidas pelo poder público; (…)

[vi] Art. 4º (…) XIV – hidrogênio verde: hidrogênio produzido por eletrólise da água, utilizando fontes de energia renováveis, tais como as previstas no inciso XIII deste caput, sem prejuízo de outras que venham a ser reconhecidas como renováveis; (…)

[vii] Art. 37. A Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 8º A ANP terá como finalidade promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, do gás natural, dos biocombustíveis e do hidrogênio, no que lhe compete conforme a lei, cabendo-lhe: (…) XXXVIII – regular e autorizar, em conjunto com outras agências reguladoras, as atividades relacionadas à produção de hidrogênio renovável e de baixa emissão de carbono que utilizem em seus processos produtivos insumos regulados por essas agências, na forma de regulamento.

[viii] Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/lei/L14990.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%2014.990%2C%20DE%2027,Art.

Scroll to Top