Artigo | Exceção ao princípio da unirrecorribilidade recursal no Código de Processo Civil: a necessidade de interposição simultânea de Agravo Interno e de Agravo em Recurso Especial ou Agravo em Recurso Extraordinário

O ordenamento jurídico brasileiro assegura a revisão das decisões judiciais por pelo menos uma instância superior à originária, sendo admitido, como regra, a interposição de apenas um único recurso, por vez, contra determinada decisão. Trata-se do princípio da unirrecorribilidade, singularidade ou unicidade recursal, que tem por finalidade garantir que haja apenas um tipo de recurso adequado e cabível para cada decisão judicial, evitando a interposição simultânea e cumulativa de recursos contra a mesma decisão, sob o mesmo fundamento, contribuindo para a economia e celeridade processual. Nesse sentido:

Ao estipular a lei processual quais são os recursos cabíveis, evidentemente há de indicar para cada um dos recursos uma função determinada e uma hipótese específica de cabimento. Dessa forma, a regra da unirrecorribilidade (ou também chamada de unicidade) indica que, para cada espécie de ato judicial a ser recorrido, deve ser cabível um único recurso.[i] (ARENHART; MARINONI; MITIDIERO, 2023, RB. 16.6. E-book).

Contudo, é possível identificar exceções a este princípio da unirrecorribilidade. A primeira delas, mais conhecida, consiste na possibilidade de interposição simultânea de recurso especial e recurso extraordinário contra um mesmo acórdão, posto que, apesar de formalmente único, pode conter matérias de caráter constitucional e infraconstitucional ao mesmo tempo. Também há, por exemplo, a possibilidade de oposição de embargos declaratórios contra a maioria das decisões além do recurso “principal”, — embora não sejam protocolados simultaneamente.

Nesse contexto, o Código de Processo Civil, após a edição da Lei n.º 13.256/16, passou a prever outra exceção: o cabimento simultâneo de agravo interno e de agravo em recurso especial ou agravo em recurso extraordinário. Originariamente, o Código de Processo Civil de 2015, em seu art. 1.030, não previa o juízo de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário pelo órgão prolator da decisão recorrida. Dessa forma, após a interposição do recurso especial ou extraordinário, seria apenas cabível a intimação do recorrido para apresentar contrarrazões, havendo, posteriormente, a remessa automática dos autos para a instância superior.

Notadamente, visando um filtro da quantidade de recursos que alcançariam os tribunais superiores, é que se observou a necessidade de alterar o referido dispositivo, o que se deu por meio da Lei n.º 13.256/16. Assim, se restabeleceu o juízo de admissibilidade previsto anteriormente, bem como foram previstos alguns requisitos, com o fim específico de evitar a remessa de um extenso volume de recursos aos tribunais superiores. Vejamos a atual redação:

Art. 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual os autos serão conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, que deverá:

I – negar seguimento:

a) a recurso extraordinário que discuta questão constitucional à qual o Supremo Tribunal Federal não tenha reconhecido a existência de repercussão geral ou a recurso extraordinário interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal exarado no regime de repercussão geral;

b) a recurso extraordinário ou a recurso especial interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, exarado no regime de julgamento de recursos repetitivos;

II – encaminhar o processo ao órgão julgador para realização do juízo de retratação, se o acórdão recorrido divergir do entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça exarado, conforme o caso, nos regimes de repercussão geral ou de recursos repetitivos;

III – sobrestar o recurso que versar sobre controvérsia de caráter repetitivo ainda não decidida pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se trate de matéria constitucional ou infraconstitucional;

IV – selecionar o recurso como representativo de controvérsia constitucional ou infraconstitucional, nos termos do § 6º do art. 1.036;

V – realizar o juízo de admissibilidade e, se positivo, remeter o feito ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça, desde que:

Isso posto, verifica-se que, nestes casos, após a apresentação de contrarrazões, os autos serão conclusos à Presidência ou vice-Presidência do tribunal recorrido, que poderá, dentre outras hipóteses, inadmitir o recurso especial ou extraordinário, — quando ausentes os requisitos de admissibilidade (1.030, V) ou negar seguimento, quando o acórdão impugnado estiver em conformidade com tese fixada em recursos repetitivos ou de repercussão geral (1.030, I).

No que concerne à decisão que nega seguimento ao recurso com fundamento no inciso I, é cabível a interposição de agravo interno, conforme preceitua o art. 1.021 do mesmo Código, em atenção ao princípio constitucional da colegialidade. Do mesmo modo, caberá agravo interno, contra a decisão proferida com fundamento no inciso III, conforme preceitua o art. 1.030, § 2º. Por outro lado, em caso de os fundamentos do decisum decorrerem do inciso V, caberá agravo em recurso especial ou extraordinário, direcionado à instância superior, como se depreende do art. 1.042.

A diferença crucial entre o agravo interno e o agravo em recurso especial e extraordinário é, além dos fundamentos da decisão recorrida, que o primeiro é apreciado pelo colegiado do tribunal de origem – assegurando que as decisões que afetam o curso do processo e que são proferidas monocraticamente, sejam revisadas por um grupo de juízes – enquanto o segundo, pelo tribunal superior, para o qual deve ser remetido independente de qualquer juízo de admissibilidade. Em face da evidente distinção, é que o Superior Tribunal de Justiça entende não ser aplicável o princípio da fungibilidade em caso de interposição equivocada do recurso de agravo em recurso especial e em recurso extraordinário ao invés de agravo interno.

Verifica-se que o juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais é bipartido, de modo que há uma análise preliminar pelo presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido, conforme a dicção do art. 1.030 do CPC. Em caso positivo, há remessa ao tribunal superior, quando o relator ou colegiado farão nova análise de admissibilidade. Trata-se de uma admissibilidade prévia (não vinculante) e outra definitiva, que poderá ser no mesmo sentido ou não daquela proferida pelo Tribunal de origem.

Questiona-se, porém, qual seria o recurso adequado, em face de decisão de inadmissibilidade assentada em ambos os fundamentos (1.030, I e V)? Nessa situação, considerando a multiplicidade de fundamentos da decisão, que a tornam híbrida/mista, será necessária a interposição simultânea de dois recursos: agravo interno e de agravo em recurso especial ou agravo em recurso extraordinário, entendimento consagrado no enunciado 77 do Conselho de Justiça Federal – CJF:

Para impugnar decisão que obsta trânsito a recurso excepcional e que contenha simultaneamente fundamento relacionado à sistemática dos recursos repetitivos ou da repercussão geral (art. 1.030, I, do CPC/2015) e fundamento relacionado à análise dos pressupostos de admissibilidade recursais (art. 1.030, V, do CPC/2015), a parte sucumbente deve interpor, simultaneamente, agravo interno (art. 1.021 do CPC/2015) caso queira impugnar a parte relativa aos recursos repetitivos ou repercussão geral e agravo em recurso especial/extraordinário (art. 1.042 do CPC/2015) caso queira impugnar a parte relativa aos fundamentos de inadmissão por ausência dos pressupostos recursais. (Enunciado 77 da I Jornada de Direito Processual Civil)

Isso posto, em havendo fundamentos relacionados tanto à sistemática dos recursos repetitivos quanto à repercussão geral, em conjunto com aqueles referentes à análise dos pressupostos de admissibilidade recursais que fundamentam a decisão que nega seguimento ao recurso, a interposição de ambos os agravos se torna obrigatória. A ausência da interposição simultânea poderá ensejar a incidência das Súmulas 283/STF[ii] e 126/STJ4[iii], segundo as quais a parte deve impugnar, na integralidade, todos os fundamentos da decisão recorrida.

Ressalte-se que, em atenção ao princípio da dialeticidade recursal, a impugnação deve ser realizada de forma efetiva, concreta e pormenorizada, não sendo suficientes alegações genéricas ou relativas ao mérito da controvérsia, sob pena de preclusão da matéria não impugnada com o instituto correto. Portanto, o recorrente deve dialogar com a decisão recorrida, atacando seus fundamentos ou aspectos formais de forma específica, de modo que limitar-se à reprodução das razões apresentadas em primeiro grau enseja o reconhecimento de inépcia recursal.

Nesse ponto, a obrigatoriedade da interposição simultânea de agravo interno e agravo em recurso especial/extraordinário quando há decisão híbrida constitui uma exceção justificada e coerente ao princípio da unirrecorribilidade recursal. A previsão reforça valores processuais fundamentais, como o próprio princípio da dialeticidade, assegurando a impugnação específica de todos os capítulos da decisão recorrida.

Ao admitir a tramitação simultânea dos referidos recursos, assegura-se que tanto o órgão colegiado do tribunal de origem quando os tribunais superiores possam analisar as matérias que lhes são próprias. Essa sistemática evita a preclusão consumativa de questões não abordadas e resguarda o direito da parte recorrente à prestação jurisdicional plena.

Portanto, embora constitua uma exceção ao princípio da unirrecorribilidade, não há comprometimento da segurança jurídica. Isso porque, de modo oposto, a necessidade da interposição de agravo interno e agravo em recurso especial/extraordinário em caso de decisão mista garante a ampla devolutividade da decisão impugnada, permitindo o exame específico e completo por cada tribunal competente, em prol da maior efetividade recursal.

Cumpre salientar, ainda, que o Ministro Herman Benjamin no AgInt no AREsp n.º 1.595.797/SP entendeu que a necessidade de interposição de ambos os recursos advém da incindibilidade da decisão de inadmissão recursal proferida pelo Tribunal de origem, tonando-se indispensável a impugnação específica de todos os fundamentos de inadmissão do recurso, sob pena de não conhecimento.

O ministro afirma também que, em caso de decisão híbrida que enseja a interposição dos dois agravos, a não interposição de agravo interno implicará na total inutilidade do agravo em recurso especial/extraordinário. Diante disso, é notória a obrigatoriedade de interposição simultânea de ambos os agravos, de modo que a ausência de interposição do primeiro afastará o interesse recursal do segundo.

Do mesmo modo, o então Min. Presidente do STJ, no julgamento do AREsp n.º 2.714.644, ratificou o entendimento acerca da necessidade de interposição simultânea do agravo interno e do agravo em recurso especial/extraodinário para “impugnar decisão que obsta trânsito a recurso excepcional e que contenha simultaneamente fundamento relacionado à sistemática dos recursos repetitivos ou da repercussão geral (art. 1.030, I, do CPC) e fundamento relacionado à análise dos pressupostos de admissibilidade recursais (art. 1.030, V, do CPC).

Ademais, o art. 932, inciso III, do CPC e o art. 253, parágrafo único, inciso I, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, já preveem que não se conhecerá do recurso que “não tenha impugnado especificamente todos os fundamentos da decisão recorrida“.

Conclui-se, portanto, que a exigência de interposição simultânea do agravo interno e do agravo em recurso especial ou extraordinário, quando a decisão de inadmissibilidade recursal se fundar cumulativamente nos incisos I e V do art. 1.030 do CPC, constitui medida coerente com a lógica do sistema recursal brasileiro.

Assim, longe de afrontar, propriamente, o princípio da unirrecorribilidade, tal exigência, na verdade (e paradoxalmente), o complementa de forma racional, diante da duplicidade de fundamentos e da repartição de competência entre os tribunais de origem e os tribunais superiores.

Trata-se, portanto, de uma exceção necessária, que visa assegurar a efetiva impugnação de todos os fundamentos da decisão e preservar o contraditório qualificado, a dialeticidade recursal e a segurança jurídica, evitando a preclusão indevida de matérias relevantes, seja por inércia ou equívoco na via processual eleita. Nesse caso, a excepcionalidade não “rompe” o sistema, mas sim o qualifica.

Thaynara Alves de Souza, advogada no escritório Perman Advogados Associados, bacharel em Direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). Pós-Graduanda em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Faculdade Líbano. Atua com ênfase no Contencioso Cível, Trabalhista e Empresarial, prestando assessoria jurídica em demandas estratégicas e de alta complexidade. Possui experiência de atuação em Tribunais Superiores.


REFERÊNCIAS

[i] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2023, v.2. RB. 16.6. E-book. Disponível em: https://next-proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/105867603/v9/page/RB-16.6. Acesso em 08 julho 2025.

[ii] Súmula 283/STF: É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles.

[iii] Súmula 126/STJ: É inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário.

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