Artigo | Créditos de Carbono no Setor de Biocombustíveis: Uma Análise do Programa RenovaBio e dos CBIOs

Nos últimos anos, o Brasil tem se destacado no cenário mundial como um líder em energia renovável, impulsionado por políticas ambiciosas e inovadoras. Entre essas políticas, o RenovaBio e os Créditos de Descarbonização (CBIOs) surgem como instrumentos para promover a transição para uma matriz energética mais limpa e sustentável. É imperativo, no entanto, explorar o potencial dessas iniciativas e seu impacto no panorama energético nacional, de forma a destacar sua importância, funcionamento e os desafios e oportunidades que apresentam para o Brasil no contexto da transição para uma economia de baixo carbono, e, ainda as assimetrias do Renovabio no setor de combustíveis.

O RenovaBio é a Política Nacional de Biocombustíveis, instituída pela Lei nº 13.576/2017, que se compromete a reduzir as emissões dos gases de efeito estufa (GEE) produzidas no país em 37% até 2025 e em 43% até 2030, em comparação com os níveis de 2005.  Tem como fulcro a previsibilidade, sustentabilidade ambiental, econômica e social, considerada uma inovação no mercado nacional e um passo importante para o desenvolvimento do mercado de biocombustíveis e estímulo à captura de carbono.

Foi criada para atender parte das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) brasileiras no âmbito do Acordo de Paris e tem por objetivos:

  • Contribuir para o cumprimento dos compromissos determinados pelo Brasil no âmbito do Acordo de Paris;
  • Promover a adequada expansão dos biocombustíveis na matriz energética, com ênfase na regularidade do abastecimento de combustíveis; e
  • Assegurar previsibilidade para o mercado de combustíveis, induzindo ganhos de eficiência energética e de redução de emissões de gases causadores do efeito estufa na produção, comercialização e uso de biocombustíveis.

O Programa pretende direcionar um modelo para a redução de emissões de carbono, e tenta fornecer previsibilidade para sustentabilidade ambiental, econômica e social sobre o papel dos biocombustíveis na matriz energética brasileira. Nesse sentido, busca incentivar uma expansão mais adequada da produção e uso dos biocombustíveis em relação à segurança energética e à mitigação de Gases de Efeito Estufa (GEE) no setor de transportes.

Estabelece, ainda, uma diretriz de longo prazo a fim de introduzir mecanismos no mercado para reconhecer a capacidade de cada biocombustível para redução de emissões, individualmente, por unidade produtora.

Os principais instrumentos para a concretização da Política podem ser resumidos em 3 eixos estratégicos: a definição das metas de redução de emissões de gases causadores do efeito estufa (GEE), a certificação da produção de biocombustíveis e o Crédito de Descarbonização (CBIO).

  • Eixo 1: As metas de redução de emissões de GEE.
  • Eixo 2: A certificação da produção de biocombustíveis.
  • Eixo 3: O Crédito de Descarbonização (CBIO).

Os níveis de emissão serão avaliados conforme a Avaliação do Ciclo de Vida (ACV), expressa nos parâmetros divulgados pela ANP em sua Resolução Nº 758/2018, o RenovaCalc, no entanto, atribuirá uma nota de eficiência energético ambiental (NEEA). A nota refletirá exatamente a contribuição individual de cada agente produtor para a mitigação de uma quantidade específica de gases de efeito estufa, em relação ao seu substituto fóssil (em termos de toneladas de CO2eq). Esta nota servirá como parâmetro para a emissão de um crédito de descarbonização em mercado organizado. Esse título representa a redução de uma tonelada de CO2eq derivada do consumo da fonte renovável frente ao fóssil.

O título pode ser negociado para qualquer agente, pessoa física ou jurídica, e o cumprimento das metas de redução de emissões está associado a compra, por parte das distribuidoras de combustível, do título emitido pelos produtores de fontes renováveis. É um título emitido por produtores e importadores de biocombustíveis, principalmente os produtores de etanol e biodiesel, com base em suas notas fiscais de compra e venda. Cada CBIO representa uma tonelada de CO2 evitado, resultante da substituição do combustível fóssil pelo biocombustível.

Pode ser traduzido em um mercado de crédito de carbono com metas definidas para a sua execução, baseado no volume comercializado de combustíveis fósseis por cada distribuidor, que deverá compensar as emissões geradas por esses combustíveis com a compra dos certificados, os CBIOs.

A Lei nº 13.576/2017 define em seu art. 5, inc V, o Crédito de Descarbonização (CBIO) como instrumento registrado sob a forma escritural, para fins de comprovação da meta individual do distribuidor de combustíveis.

O CBIO incentiva a produção e uso de biocombustíveis, reduzindo as emissões de gases de efeito estufa e pode desempenhar um papel fundamental na transição para uma matriz energética mais limpa e renovável.

O processo de emissão de CBIOs envolve a certificação das unidades produtoras de biocombustíveis pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Após a certificação, essas unidades podem gerar CBIOs com base na quantidade de biocombustível produzido e na redução de emissões de GEE em comparação com os combustíveis fósseis.

Esses certificados podem ser comercializados no mercado financeiro, onde são adquiridos por distribuidoras de combustíveis. Essas distribuidoras têm metas individuais de redução de emissões estabelecidas pelo RenovaBio e, ao adquirir CBIOs, compensam suas emissões excedentes e cumprem suas metas de descarbonização.

Em relação à comercialização do CBIO, a negociação ocorre na B3, no mercado de balcão. Uma das principais características do ativo é que ele não possui validade. Entretanto as distribuidoras precisam realizar uma operação chamada de aposentadoria do ativo para cumprir suas metas individuais estabelecidas pela Lei.

Como já dito, distribuidores de combustíveis fósseis possuem metas anuais de descarbonização calculadas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), e adquirir CBIOs é a única forma de atingir essas metas. A Resolução ANP nº 807/2020, que estabelece as diretrizes para a emissão, validação e comercialização desses créditos. Qualquer pessoa pode comprar CBIOS, mas na prática, são as distribuidoras de combustíveis que são obrigadas, por lei, a comprarem o CBIO para cumprirem tais metas estabelecidas por órgãos do governo. O cálculo para a definição da meta é baseado nas vendas das distribuidoras de gasolina e diesel no ano anterior.

Atualmente, o problema existente é que as distribuidoras são obrigadas a cumprir metas determinadas pelo governo, mas os emissores do título não são obrigados a ofertar CBIOs na quantidade demandada. Dessa forma, frequentemente ocorrem desequilíbrios no mercado, com elevações substanciais do preço dos CBIOs. Este valor alto que beneficia os emissores é repassado aos preços e quem paga é toda a sociedade brasileira.

A atual configuração do renovabio é prejudicial às pequenas distribuidoras, o que dificulta a entrada de novas empresas no mercado. Além disso, existe a discussão se a conta da descarbonização via CBIOs deveria ser efetivada pelas produtoras, ou seja, as refinarias, como é feito em alguns países. Isto porque este setor teria maior capacidade de desenvolver projetos de redução de emissões devido à natureza de suas atividades e, consequentemente, poderia aumentar os benefícios ao meio ambiente.

No que diz respeito ao conteúdo legislativo, que subsidia o RenovaBio cabe destacar: a Lei nº 13.576/2017, o Decreto nº 9.888/2019, o Decreto nº 9.964/2019 e as resoluções da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) nº 758/2018 e nº 802/2019. No entanto, o crédito de carbono é uma forma de incentivar a participação de produtores de biocombustíveis no programa RenovaBio.

A legislação cria um comprador compulsório deste ativo como forma de garantir o funcionamento do programa, que são as distribuidoras de combustíveis, obrigadas a comprar uma quantidade de CBIO proporcional à quantidade de combustíveis fósseis que comercializam. A forma encontrada pelo programa para lastrear o ativo ambientalmente foi a criação de uma ferramenta baseada em metodologias científicas do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) chamada RenovaCalc. Nela o produtor de biocombustível insere dados sobre todo o seu processo produtivo que depois são auditados por iniciativas credenciadas pela ANP.

*É possível acompanhar o mercado de CBIOs no link: https://www.gov.br/anp/pt-br/centrais-de-conteudo/paineis-dinamicos-da-anp/paineis-dinamicos-do-renovabio/painel-dinamico-da-cbio

*Em 2023, a Resolução CNPE 13/2022 definiu as metas compulsórias anuais de redução de emissões de gases causadores do efeito estufa (GEE) para a comercialização de combustíveis no decênio 2023-2032. A Meta é de 37,47 milhões de CBIOs

Em resumo, os Créditos de Carbono no Setor de Biocombustíveis, representados pelos CBIOs, desempenham um papel na descarbonização da matriz energética brasileira. O Programa RenovaBio estabeleceu metas para a redução das emissões de gases de efeito estufa, incentivando a produção e o consumo de biocombustíveis mais sustentáveis.

Todavia, apesar dos avanços, ainda é necessário o aperfeiçoamento e desenvolvimento contínuo da política principalmente no âmbito econômico e no sujeito que deve comprar o CBIO para cumpri as metas do estabelecidas pelo governo.

Em 2023, a modelagem econômica das metas do RenovaBio foi aprimorada por meio da elaboração e execução de Análise de Impacto Regulatório (AIR). Essa análise teve como objetivo definir a melhor estratégia para as metas de descarbonização nos próximos anos, especialmente para o período de 2024 a 2033. Portanto, é fundamental continuar aprimorando o RenovaBio para maximizar seus benefícios ambientais e energéticos, bem como garantir a sustentabilidade do setor de biocombustíveis no Brasil.

 

Isabela Mendes Magliano, advogada, graduada pelo UniCEUB, especializada em assessoria governamental e legislativa, com atuação na área recursal e contenciosa. Atuou em escritórios com prática especializada em Tribunais Superiores em Brasília/DF e no Tribunal de Contas da União. Possui experiência em consultoria jurídicas e empresariais, além de direito administrativo e regulatório.

 


REFERÊNCIAS

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