Artigo | Combustível do Futuro: Uma análise acerca dos impactos e desafios do PL 528/2020 aprovado pela Câmara dos Deputados

Nos últimos anos, a busca por alternativas sustentáveis de energia se intensificou, refletindo a necessidade urgente de enfrentar as mudanças climáticas e a dependência de combustíveis fósseis em âmbito internacional. No Brasil, o PL 528/2020 intitulado “combustível do futuro” emergiu como uma proposta significativa para promover o desenvolvimento de combustíveis sustentáveis e inovadores.

O Projeto, de autoria do ex-Deputado Federal Jerônimo Goergen (PP/RS), foi remetido para revisão do Senado Federal, com relatoria do Sen. Veneziano Vital do Rêgo (MDB/PB), e aprovado pela Câmara em setembro deste ano, relatado pelo deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP)[i].

A matéria possui como objetivo principal descarbonizar a matriz energética de transporte nacional, por meio da promoção do uso de biocombustíveis, e contribuir para o atendimento de compromissos assumidos pelo País no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima[ii].

Com a crescente demanda por soluções energéticas que reduzam as emissões de gases de efeito estufa, esse projeto busca não apenas diversificar a matriz energética brasileira, mas também fomentar a economia verde.

Entre os principais pontos abordados no projeto, destacam-se:

  1. A Instituição do Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação (ProBioQAV), o Programa Nacional de Diesel Verde (PNDV) e o Programa Nacional de Descarbonização do Produtor e Importador de Gás Natural e de Incentivo ao Biometano;
  2. Alteração dos limites máximo e mínimo do teor de mistura de etanol anidro à gasolina C comercializada ao consumidor final e do teor de mistura de biodiesel ao diesel comercializado ao consumidor final;
  3. Regulamentação e a fiscalização das atividades de captura e de estocagem geológica de dióxido de carbono e de produção e comercialização dos combustíveis sintéticos;
  4. Iniciativas e medidas adotadas no âmbito da Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), do Programa Mobilidade Verde e Inovação (Programa Mover), do Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular (PBEV) e do Programa de Controle de Emissões Veiculares (Proconve).[iii]

A proposta estabelece uma série de iniciativas para promover a descarbonização, a mobilidade sustentável e a transição energética no Brasil, além de incentivar a integração de diversas políticas públicas ligadas ao setor de transportes.

O PL 528/2020 visa impulsionar o crescimento da indústria de combustíveis renováveis, especialmente no setor de transportes e incentivar produtores de etanol, biodiesel, diesel verde, biometano e combustível sustentável de aviação – SAF, além de toda a cadeia produtiva relacionada, com destaque para o setor agrícola, que fornece insumos para os biocombustíveis. A proposta busca garantir previsibilidade e segurança para os investimentos no setor agrícola e de biocombustíveis, bem como no setor automotivo, que poderá se adaptar ao novo cenário que se apresenta.

Outra alteração significativa implementada pelo projeto é a competência da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para regulamentar e fiscalizar os combustíveis sintéticos e a estocagem geológica de gás carbônico, assim como autorizar a atividade. O projeto também autoriza a Petrobras a atuar nas atividades de movimentação e estocagem de gás carbônico, de transição energética e de economia de baixo carbono. O texto aprovado atribui ao Conselho Nacional de Política Energética – CNPE a definição de diretrizes centrais da política energética para promover a avaliação da viabilidade técnica das misturas de biodiesel.

Além do mencionado, o texto altera a Lei nº 8.723/93 para fixar em 27% o percentual obrigatório de adição de álcool etílico anidro combustível à gasolina. Dispõe, ainda, que o Poder Executivo poderá reduzir esse percentual até 22% ou elevá-lo a 35%, desde que constatada a sua viabilidade técnica.

A redação final, proposta pela Senado e aprovada pela Câmara dos Deputados, também estipula que o Poder Executivo poderá instituir mecanismos para incentivar a participação de matérias-primas produzidas pela agricultura familiar na produção dos biocombustíveis de que trata o projeto.

Em uma análise perfunctória e abrangente, vê-se que a implementação do PL 528/2020 pode ter impactos significativos na redução de emissões de gases de efeito estufa, visto que com a adoção de combustíveis mais limpos, espera-se uma diminuição substancial nas emissões de CO2, contribuindo para os compromissos climáticos do Brasil.

O Brasil ocupa o ranking de sexto maior emissor global de efeito estufa[iv]. O setor de transporte é responsável por pouco mais de 9% do total de emissões do país, sendo que quase metade das emissões é proveniente de ações antrópicas[v]. Nesse cenário, o setor de biocombustíveis em âmbito brasileiro possui potencial para contribuir com a redução de gases de efeito estufa impactando significativamente os níveis internacionais de descarbonização.

Outro aspecto positivo é a promoção de novas tecnologias e práticas estabelecidas pelo projeto, que, por sua vez, geram empregos e fortalecem a economia, especialmente em áreas onde a agricultura é predominante. Nesse sentido, ao diversificar a matriz energética, o Brasil reduz sua dependência de combustíveis fósseis importados, aumentando assim a segurança energética do país e contribuindo para o desenvolvimento econômico interno.

Destarte, apesar dos benefícios potenciais, o texto aprovado na Câmara dos Deputados suprimiu a participação de interessados no processo de definição de mandatos de biocombustíveis e da análise de impacto regulatório para estabelecer uma meta anual obrigatória de redução das emissões de gases de efeito estufa no mercado de gás natural. Quesito que preocupa setores civis, ante a inviabilidade de diálogo com sociedade, a fim de promover consistência na avaliação técnica de teores de mistura.

Ademais, a implementação do PL 528/2020 poderá enfrentar alguns desafios e obstáculos. O primeiro respalda-se na transição para novas tecnologias, o que requer investimento em capacitação e treinamento de profissionais, garantindo que a mão de obra esteja preparada para as novas demandas do mercado.

Não obstante, faz-se necessário a adaptação da infraestrutura existente para a produção, distribuição, comercialização e utilização de combustíveis alternativos, exigindo-se investimentos significativos e receita orçamentária. Não se pode ignorar os custos aplicados para o crescimento de setores ainda incipientes no âmbito da transição energética.

Por fim, é fundamental estabelecer um arcabouço regulatório que suporte a inovação, mas que também garanta a segurança e a qualidade dos combustíveis produzidos. Embora o projeto estabeleça a análise técnica e respalde diretrizes para a implementação da política energética, a burocratização e a excessiva formalização de procedimentos podem levar à rigidez, além da demora excessiva para formular normas e padronizações, tornando a transição energética lenta e incapaz de se adaptar a mudanças rápidas no ambiente nacional e internacional.

 

Considerações Finais

O PL 528/2020 é um avanço significativo em direção a um futuro energético mais sustentável e diversificado no Brasil. Ao incentivar a inovação e integrar diferentes setores, esse projeto pode contribuir para a mitigação das mudanças climáticas, além de promover o desenvolvimento econômico e social do país. A mobilização de matéria prima e recursos, tanto financeiros quanto humanos, será essencial para o êxito dessa iniciativa e para a construção de um futuro energético mais limpo e sustentável.

Entretanto, é fundamental que a sociedade civil, o setor privado, agências reguladoras e o governo se mobilizem para que o PL 528/2020 não apenas se transforme em lei, mas se concretize em uma realidade que traga benefícios para o Brasil e o mundo.

Comemoramos com apreço a aprovação do Projeto de Lei Combustível do Futuro, um importante vetor que vem para somar e potencializar a transição energética brasileira.

Camila Oliveira, cientista política, graduada pela Universidade de Brasília (UnB) e Advogada. Pós-graduada em Direito Tributário pela Escola Mineira de Direito. Com experiência em Direito Constitucional, Administrativo e Cível. Possui experiencia na atuação em Tribunais Superiores, consultoria jurídica e relações governamentais.


REFERÊNCIAS

[i] https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2238434

[ii] https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9778785&ts=1726587858341&rendition_principal=S&disposition=inline

[iii] https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2477504&filename=Tramitacao-PL%20528/2020

[iv] https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9778785&ts=1726587858341&rendition_principal=S&disposition=inline

[v] https://energiaeambiente.org.br/wp-content/uploads/2024/01/SEEG-RELATORIO-ANALITICO-11.pdf

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